segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Sentimento em doses de Rivotril



Todo mundo tem um refúgio a que costuma recorrer para aliviar o peso dos problemas. Pode ser um lugar tranquilo, talvez a praia. O pensamento em uma pessoa querida. Uma extravagância, como compras ou aquele prato proibido pelo médico. Ou pode ser o armarinho de remédios de casa.

Na farmácia não se encontra produto descrito como "paz em drágeas" ou "xarope de paz". Mas muita gente acha que é isso o que deveria dizer o rótulo do Rivotril, um ansiolítico (ou, popularmente, um calmante). Rivotril é prescrito por psiquiatras a pacientes em crise de ansiedade - nos casos em que o sofrimento tenha causa bem definida. Mas tem sido usado pelos brasileiros como elixir contra as pressões banais do dia a dia: insônia, prazos, conflitos em relacionamentos. Um arqui-inimigo dos dilemas do mundo moderno. 


Sou filho de enfermeira, e, portanto, lá em casa esse armário de remédios sempre foi a salvação. Na primeira tosse, opa! Lá vinha dona Rosane com um xarope ou receita rápida e eficaz. Mas a idade foi chegando e a sabedoria da experiente enfermeira foi passada ao rebanho:

- Mãe! To gripado!

- Ah é? Coma muita fruta com Vitamina C, beba água e repouse.

- Oxente, mãe! E o remédio?!

- A cura, imunidade mesmo, só vem de forma natural! Só assim pra ficar bom de verdade.

Sábias palavras. Logo percebi que isso podia ser aplicado nos problemas ou “doenças” cotidianas. Dor de cotovelo, chifre, pé na bunda, decepção...tudo isso só se cura com paciência, válvula de escape e com cabeça ocupada. Como dizia Walter Franco: tudo é questão de manter cabeça reta, espinha ereta e o coração tranquilo.

Mas voltando ao tal do Rivotril: o que será que ele tem? Mas que mágica é essa? Quando somos pressionados, algumas áreas do cérebro passam a trabalhar mais. Vem a ansiedade. O Rivotril age estimulando justamente os mecanismos que equilibram esse estado de tensão - inibindo o que estava funcionando demais. A pessoa passa a responder menos aos estímulos externos. Fica tranquila. Ainda que o bicho esteja pegando no trabalho, o casamento indo de mal a pior e as contas se acumulando na porta. É essa sensação de paz que atrai tanta gente. Afinal, a ansiedade traz muito incômodo: suor, calafrios, insônia, taquicardia... Muitas vezes o sofrimento se torna insuportável. O remédio é valioso quando o paciente piora. 

É verdade, o Rivotril tem berço, vem de uma família benquista pelos médicos. Isso já garante uma popularidade. Mas ele tem uma vantagem extra em relação aos parentes. Seu tempo de ação é de, em média, 18 horas no organismo, entre o início do relaxamento, o pico do efeito e a saída do corpo. É o que os médicos chamam de meia-vida. A meia-vida do Rivotril é uma das mais confortáveis para o paciente, porque fica no meio-termo em relação aos outros remédios para a ansiedade e facilita a adaptação. Na prática, esse meio-termo significa que o efeito do Rivotril não termina nem cedo demais - o que poderia fazer o paciente acordar de uma noite de sono já ansioso - nem tarde demais - o que não prolonga a sedação por um período maior que o desejado.

O risco é o mesmo visto em outros benzodiazepínicos. São dois, aliás. O de dependência química e o de dependência psicológica. Na química, o processo é parecido com o gerado por drogas como álcool e cocaína. O uso prolongado torna o cérebro dependente daquela substância para funcionar corretamente. A outra dependência é a psicológica. A pessoa até para de tomar o remédio, mas mantém uma caixa sempre no bolso como precaução. Cerca de 80% das pessoas que usam benzodiazepínicos ficam dependentes em 2 ou 3 meses de uso.

Em casos mais graves, a abstinência pode levar o paciente a uma internação. A pessoa pode ver, ouvir e sentir coisas que não existem, apresentar delírios (como ser perseguida por extraterrestres), agitação, depressão, apatia, entre outros sintomas. Livrar-se do Rivotril é duro porque é preciso enfrentar todos os fantasmas de que o paciente queria se livrar quando buscou o remédio. Afinal, o remédio só esconde os problemas. Eles continuarão lá, à espera de solução. O verdadeiro adeus é o momento em que se aprende a lidar com a ansiedade. Sozinho. Ou talvez com uma passadinha rápida na praia. Pensando no namorado. Ou com a ajuda daquela lasanha (bem gorda).


Deu até fome...



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