segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Cultura em fragmentos


“Todo dragão guarda um grande tesouro em sua masmorra”. Não lembro ao certo se li essa frase no O Hobbit ou se aprendi nos jogos de RPG. Neste fim de semana, voltei no tempo mentalmente, mais exatamente para a minha juventude. Ao avistar o dragão da Livraria Cultura, em São Paulo, fiquei alguns minutos parado na entrada, apenas refletindo sobre os tesouros ali “guardados”. Chamar o espaço de castelo não é exagero nenhum. Exposto no centro do espaço, o simpático monstro de madeira (foto acima) parecia sorrir para as centenas de visitantes. Não parecia se incomodar com os ladinos, paladinos, hobbits, goblins, orcs, com nenhuma espécie que ali desfrutava dos seus conhecimentos.

Quando era adolescente, costumava passar horas imaginando como enfrentar os dragões, grandes mestres das artes e da magia. Todo personagem almejava conquistar fama e os tesouros daquele monstro alado. Mas naquele local algo diferente despertava. Talvez fosse um sinal claro que o meu personagem imaginário estava amadurecendo. Apesar de não comprar nenhum livro – milhares no caso – a sensação de estar rodeado de conhecimento trazia o sentimento de conquista que eu tanto imaginava. Palavras soltas, em fragmentos, apareciam em formato escrito. Cada frase lida era absorvida pela mente do personagem. Dei-me conta de que assim como a escrita, a vida é feita de fragmentos. Seja ela de uma página, ou de apenas 140 caracteres. Todo conhecimento é muito bem vindo.

Somos feitos de pedaços soltos, de experiências adquiridas por nossa existência, ou por conceitos externos, passados por nossos pais, amigos, ou conhecidos. Ao juntar esses fragmentos formamos o nosso caráter. O livro é muito semelhante a nossa vida. Ele é feitos de capítulos, que narram uma história, uma experiência vivida, e tudo isso forma uma arte.

Atualmente estou lendo um livro bem interessante. Se pudesse resumi-lo em uma palavra, diria que é bárbaro. Se livro fosse feminino, ele seria bárbara. Pois assim ele é. Ele é feito de capa dura, tem várias cores, capítulos interessantes, tem sintonia, mas não tem fim. Ainda estou no começo dele, e assim mesmo estou encantado. Assim como Uma história sem fim, este me parece ter o mesmo rumo. É um conto que ainda não foi dito, que é formatado a cada dia que passa. Não sei o final dele, mas espero que seja um final feliz. É interessante como o leitor se apega ao livro, como se fosse seu. Este, meu amigo, pode ter certeza que vou guardar com muito carinho. Foi escrito com muita intensidade, paixão, traumas, sinceridade, raiva, medo, angústia, etc. Todos os ingredientes que o torna um Best Seller. Comecei a ler a versão online (e-book), mas recentemente adquiri a edição impressa.

Dizem que a autora não gosta muito da forma que ele foi escrito, mas até então estou gostando bastante. Creio que ela não entende a força e a importância dele ser gravado com tanta carga de emoção. Buenas, vou parar de falar dele, pois ainda não sei o fim – conforme já disse acima – e também por que é chato contar final de livro ou filme.
Ah sim, antes que me esqueça, o nome do livro é A vida de Babi. Só tem uma edição, é exclusiva e sagrada. Vale muito cada palavra. Não empresto, mas compartilho meu sentimento por ele.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Sentimento em doses de Rivotril



Todo mundo tem um refúgio a que costuma recorrer para aliviar o peso dos problemas. Pode ser um lugar tranquilo, talvez a praia. O pensamento em uma pessoa querida. Uma extravagância, como compras ou aquele prato proibido pelo médico. Ou pode ser o armarinho de remédios de casa.

Na farmácia não se encontra produto descrito como "paz em drágeas" ou "xarope de paz". Mas muita gente acha que é isso o que deveria dizer o rótulo do Rivotril, um ansiolítico (ou, popularmente, um calmante). Rivotril é prescrito por psiquiatras a pacientes em crise de ansiedade - nos casos em que o sofrimento tenha causa bem definida. Mas tem sido usado pelos brasileiros como elixir contra as pressões banais do dia a dia: insônia, prazos, conflitos em relacionamentos. Um arqui-inimigo dos dilemas do mundo moderno. 


Sou filho de enfermeira, e, portanto, lá em casa esse armário de remédios sempre foi a salvação. Na primeira tosse, opa! Lá vinha dona Rosane com um xarope ou receita rápida e eficaz. Mas a idade foi chegando e a sabedoria da experiente enfermeira foi passada ao rebanho:

- Mãe! To gripado!

- Ah é? Coma muita fruta com Vitamina C, beba água e repouse.

- Oxente, mãe! E o remédio?!

- A cura, imunidade mesmo, só vem de forma natural! Só assim pra ficar bom de verdade.

Sábias palavras. Logo percebi que isso podia ser aplicado nos problemas ou “doenças” cotidianas. Dor de cotovelo, chifre, pé na bunda, decepção...tudo isso só se cura com paciência, válvula de escape e com cabeça ocupada. Como dizia Walter Franco: tudo é questão de manter cabeça reta, espinha ereta e o coração tranquilo.

Mas voltando ao tal do Rivotril: o que será que ele tem? Mas que mágica é essa? Quando somos pressionados, algumas áreas do cérebro passam a trabalhar mais. Vem a ansiedade. O Rivotril age estimulando justamente os mecanismos que equilibram esse estado de tensão - inibindo o que estava funcionando demais. A pessoa passa a responder menos aos estímulos externos. Fica tranquila. Ainda que o bicho esteja pegando no trabalho, o casamento indo de mal a pior e as contas se acumulando na porta. É essa sensação de paz que atrai tanta gente. Afinal, a ansiedade traz muito incômodo: suor, calafrios, insônia, taquicardia... Muitas vezes o sofrimento se torna insuportável. O remédio é valioso quando o paciente piora. 

É verdade, o Rivotril tem berço, vem de uma família benquista pelos médicos. Isso já garante uma popularidade. Mas ele tem uma vantagem extra em relação aos parentes. Seu tempo de ação é de, em média, 18 horas no organismo, entre o início do relaxamento, o pico do efeito e a saída do corpo. É o que os médicos chamam de meia-vida. A meia-vida do Rivotril é uma das mais confortáveis para o paciente, porque fica no meio-termo em relação aos outros remédios para a ansiedade e facilita a adaptação. Na prática, esse meio-termo significa que o efeito do Rivotril não termina nem cedo demais - o que poderia fazer o paciente acordar de uma noite de sono já ansioso - nem tarde demais - o que não prolonga a sedação por um período maior que o desejado.

O risco é o mesmo visto em outros benzodiazepínicos. São dois, aliás. O de dependência química e o de dependência psicológica. Na química, o processo é parecido com o gerado por drogas como álcool e cocaína. O uso prolongado torna o cérebro dependente daquela substância para funcionar corretamente. A outra dependência é a psicológica. A pessoa até para de tomar o remédio, mas mantém uma caixa sempre no bolso como precaução. Cerca de 80% das pessoas que usam benzodiazepínicos ficam dependentes em 2 ou 3 meses de uso.

Em casos mais graves, a abstinência pode levar o paciente a uma internação. A pessoa pode ver, ouvir e sentir coisas que não existem, apresentar delírios (como ser perseguida por extraterrestres), agitação, depressão, apatia, entre outros sintomas. Livrar-se do Rivotril é duro porque é preciso enfrentar todos os fantasmas de que o paciente queria se livrar quando buscou o remédio. Afinal, o remédio só esconde os problemas. Eles continuarão lá, à espera de solução. O verdadeiro adeus é o momento em que se aprende a lidar com a ansiedade. Sozinho. Ou talvez com uma passadinha rápida na praia. Pensando no namorado. Ou com a ajuda daquela lasanha (bem gorda).


Deu até fome...



sexta-feira, 11 de maio de 2012

O legado de Akira


Quando era moleque, lá por volta de 93 ou 94, ouvi falar pela primeira vez do filme. Desde pequeno sou fascinado pela cultura oriental e seus produtos. O que inclui os mangás ,animes, além daquelas deliciosas balinhas facilmente encontradas no bairro da Liberdade, em São Paulo. Toda essa devoção é fruto da grande família global que ganhei em Aracaju.

Lembro com clareza da primeira vez que avistei esse cartaz acima. O Kaneda em sua sensacional moto. Style, né não?! Na mesma hora insistimos para o tio Edson gravar o filme, e não deu outra, fui assistir com meus "primos" no VHS gravado (baita tecnologia na época). Moral da história: que viagem... Não entendi absolutamente nada. Apenas curti muito as cenas de ação. Certamente não era um desenho para crianças, rs.

Depois de muitos anos, mais exatamente em 2011, dei de cara com um DVD duplo do famoso anime nas Lojas Americanas. Um flash de memórias passou imediatamente na minha mente e instantaneamente, quase que automaticamente, adquiri aquele exemplar. Lembro de ter comentando com amigos, em conversa de bar, da dificuldade de entender aquele troço. Mas que apesar de não ter entendido nada, tinha como desafio tentar compreender o que se passava na mente do autor e porque ele ainda é tão aclamado. Após tanta preguiça, resolvi encará-lo neste fim de semana. Olha, não me arrependi. De fato é um filmaço!

Akira é um dos mangas mais populares do Japão e um clássico do gênero Cyberpunk. Criado por Katsuhiro Otomo, em 1982, e lançado como filme, em 1988. O filme mostra um olhar marginalizado da sociedade, da artificialidade das relações, misturado com tecnologias. Ou seja, isso foi pensado na década de 80 e olha só como estamos agora. Dizem que Otomo retratava o próprio Japão dos anos 60.

Com cenários bem trabalhados, muita ação, roteiro excelente, embora confuso as vezes (acredito que propositalmente, para mostrar a confusão da sociedade retratada), o que lembra muito Matrix (no contexto da análise social), Akira é de fato um filme que vale ser visto muito mais vezes. Cada detalhe é uma reflexão. Para quem gosta de temas profundos, fica a dica.

terça-feira, 13 de março de 2012

A arte de encantar a plateia (ou não)



Ser artista não deve ser fácil. Tentar agradar o público em geral com o seu talento ali exposto, imagino que deve ser, digamos, tenso... Na vida, seja no lado pessoal, esportivo ou profissional (ô loco meu), sempre tento fazer daquilo alguma arte. Afinal de contas ser artista é “simplesmente” ser competente em seu ofício.

Quando era pequeno, tinha quase certeza que tinha algum talento. Bom, pelo menos era o que a minha mãe dizia. Algo do tipo: “Esse menino só faz arte”, ou “isso é um arteiro da maior qualidade”. Pra deixar qualquer matriarca de cabelo em pé, né não?! Dona Rosane que o diga...

Até meus 10 anos de vida, esse era o conceito de arte que tinha em mente. Ou como diriam meus mestres antropólogos, era o significante consolidado pelo ego errado. Por falar em escolástica, logo que entrei na faculdade de comunicação, ainda no primeiro período, tive que ler um livro do Everardo Rocha chamado “O que é Arte?”. Delícia ein... É claro que na época relutei.

“Putz, tenho mesmo que ler isso? Mas eu já sei o que é arte!”, exclamei.

Pobre retirante. Estava fazendo o espetáculo da forma incorreta. A arte (desculpe a repetição da palavra) é uma criação humana com valores estéticos (beleza, equilíbrio, harmonia, revolta) que sintetizam as suas emoções, sua história, seus sentimentos, tudo isso expressado em forma de alguma coisa.

Ok. Acho que aprendi. Sendo assim, algumas semanas antes da premiação do Oscar deste ano, me deparei com o trailer do filme “O Artista”. O nome do filme já chamou atenção. Lembrei na hora do livro citado. Tem mais, ainda no cartaz aparecia um simpático cachorro como uma das estrelas principais. Putz! Precisava muito ver isso! Com um forte incentivo de uma amiga, lá fomos nós embarcar nessa viagem silenciosa.

Em clima retrô, a sessão chamava atenção pela quantidade de idosos na sala. Pensei logo, "estão levando a sério demais o estilo nostalgia". Mas queria o quê?! Mocidade em Ipanema?! O filme começou. Silêncio... trilha sonora (muito boa por sinal) a todo vapor.

O roteiro conta a história de um ator famoso do cinema mudo, um artista em pleno auge da carreira, que não consegue acompanhar a novidade dos filmes falados. George Valentin rejeita a modernização dos estúdios e a opção por um elenco novo. Lembrei na hora do filme “Tempos Modernos”, de Charles Chaplin. Meu pai já havia falado que Chaplin teve uma rejeição às falas na sétima arte. Mas “Tempos Modernos” era a revelação da genialidade do diretor. Metade mudo, metade falado.

Mas voltando a sessão acima, a forma do roteiro, de uma maneira geral, é bem clichê: vemos a ascensão de um personagem e a decadência de outro, sempre fazendo essas duas histórias se encontrarem por motivos maiores. Porém o conteúdo do filme é surpreendente. Sai satisfeito da poltrona com a sensação de que valeu cada centavo do ingresso (inteira).


terça-feira, 6 de março de 2012

A Filha do Mal (Pelé Wins...Again)


Era melhor ter visto o filme do Pelé... sério mesmo, de coração.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Tempo: a escolástica da vida

Vermelho. Quando penso nessa cor a primeira coisa, além de sangue, que vem na minha cabeça é o meu boletim escolar. Confesso que nunca fui um aluno exemplar. Sempre fui seletivo na arte de estudar. Humanas era um tiro só: notas boas (azuis). Conseguia sugar as informações apenas nas aulas. Na véspera da prova dava aquela enrolada com o livro e pronto. Só nota boa. Agora mermão, quando o lance era cálculo, papo de teorema pra cá, Baskara (maldito) pra lá... era castigo decretado.

Meus pais já esperavam a tragédia. Assim como o japonês espera o próximo terremoto. Os coitados sofriam junto. Tinham que adiar as férias na Paraíba, com os parentes, só para me ajudar a passar. Meu pai (anjo sagrado) sabe do que estou falando. Sentava pacientemente comigo para tentar passar alguma lógica naqueles malditos números.

“Igor, a circunferência tem 360°. A soma dos catetos é igual o dobro da hipotenusa. Os romanos criaram o que conhecemos de números primários”, dizia o senhor Sr. Cavaco, o patriarca.

Enquanto isso, lá estava eu viajando na parte dos romanos, lutando contra o herói Asterix. Isso sim era maneiro!

Muitas vezes chorei em vão, pedindo para o meu pai para “peloamordedeus” me tirar da escola. Pai, obrigado por não me ouvir, beleza?!

Semana passada comecei a ler um livro excelente, uma boa indicação de uma amiga que me disse as seguintes palavras:

“Achei esse livro lá em casa e lembrei na hora de você. O filho do autor é a sua cara, fisicamente”.

Fiquei curioso na hora. Aliás, o nome do autor é David Gilmour. Na hora pensei se tratar do guitarrista do Pink Floyd, do qual sou admirador da obra musical. Mas logo a amiga tratou de colocar panos frios. Não, não era ele. Mas me explicou se tratar de um bom escritor/jornalista canadense. Moral da história: levei o livro para casa e, de fato, o filho dele (Jesse) realmente tem muita semelhança comigo. Não fisicamente, realmente não acho. Mas ele tem esse lance em comum comigo de não ter se adaptado à escola. Era um aluno ruim, cobra (só passava se arrastando), igualzinho a mim. No caso da obra, David Gilmour acaba percebendo isso e tem uma sacada, que considero sábia, porém muito ousada. Ele propõe ao filho dispensa da escola (sim, DISPENSADO da escola, você não leu errado) se assistisse junto ao pai três filmes por semana (não é muito!) e não se envolvesse com drogas (pedido mais que justo!). O garoto concorda (quem não concordaria?) e eles começam o “Clube do Filme”, que durou três anos. Sim, durante três anos, a única educação que Jesse, o filho, recebeu foram os filmes, e as conversas com o pai sobre os filmes. Mais nada. Loucura? Irresponsabilidade? Não.

O grande segredo por trás disso tudo está em apenas uma palavra: tempo. E de qualidade. David, passava por uma situação complicada. Tinha 50 anos, estava desempregado, tinha tempo de sobra. Mas antes do Clube do Filme, ele não usava esse tempo de forma útil com o filho. Foi assistindo os filmes juntos, e conversando depois sobre as melhores cenas, os diretores, e até mesmo as atrizes mais bonitas, foi que os dois ganharam intimidade um com o outro. E intimidade requer confiança mútua, que só se ganha com o tempo, não na quantidade de tempo, mas sim na qualidade dele.

Gilmour deu ao filho algo escasso hoje em dia, e talvez o que precisemos mais: tempo (novamente ele). Penso que talvez seja por isso que temos tantos e tantos adolescentes rebeldes sem causa, deprimidos, criminosos por hobby, mal-educados no sentido literal da palavra. Não lhes deram tempo. Tempo com os pais, com os tios, com os professores. Tempo de qualidade, de conversa jogada fora, de conselhos sem caráter de urgência, de papos sobre assuntos que vierem à cabeça. Os pais estão tão preocupados em dar educação, que se esquecem que a educação é dada vinte e quatro horas por dia, através das nossas ações, das nossas palavras, dos sentimentos que despertamos em nossos filhos, do tempo que passamos junto a eles, e do tempo que estamos ausentes. Clichê isso, mas Salvador Dali, Cazuza e outros por aí tinham razão.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Tão longe, tão perto


“Rapaz, você não sai desse Facebook não?! Sai do computador e vai trabalhar, vagabundo!” – uma pessoa qualquer falando com esse que vos escreve.

Desde que Mark Zuckeberg inventou o tal do álbum de rostos, ou pelo menos desde que conheci (2008), confesso que virei fã instantâneo. A ideia “simples” de agregar os amigos num espaço, ou rede social, já não era novidade. Um libanês já havia plantado a sementinha do mal aqui no Brasil, com bastante êxito, diga-se de passagem.

O grande lance do gênio virtual de Harvard foi possibilitar o usuário de compartilhar para todos, em tempo real, os pensamentos, links, vídeos, etc. Não me considero um nerd, acho que estou longe de ser. Mas a tal tecnologia é uma paixão que me encanta desde que me lembro como gente.

O ano? 1994. Lá estava eu, com meus 9 anos de idade, tinha acabado de chegar em casa e dou de cara com aquela coisa linda em cima da mesa da biblioteca/videoteca do meu pai. Um 386, sistema operacional DOS, sem mouse, com apenas um fundo preto e uma linha que não parava de piscar, implorando por uma digitação.

“Com isso aqui (computador) você e seus irmãos vão poder fazer trabalhos na Escola, sem usar lápis, e vão até jogar joguinhos (sic)”, dizia meu pai.

Batata! Pouco tempo depois lá estava fuçando naquela máquina grande, com uma boca de disquete do tamanho de um livro de bolso (estilo Penguin Books), jogando campo minado, bang bang (jogo dos canhões, lembra?), pipe dream, paciência e até taipei. Mas a tecnologia não pára, e logo apareceu o patriarca com mais uma novidade: 586, com mouse, sistema operacional XtreeGold e mais uma porrada de jogos e aplicativos (e o disquete menor). Acho que posso dispensar a catarze de alegria que senti, certo?

Essa tal tecnologia... Em menos tempo as novidades, produtos dela, brotaram na mesma sala. Windows, CD-Rom, multimídia, CD (adeus vinil), imagem 2D, 3D, impressora (adeus cartolina)... tudo isso virou palavra comum do vocabulário home Office. Aliás, nunca foi tão fácil aprender inglês sem cursinho, sem aquelas fitas k-7 com repetições. Fita?! Nada disso, agora o lance era CD aula.

Sei que desde aquele fatídico dia, lá ainda em 1994, tenho impressão de que sentei na frente daquele 386 e nunca mais sai de lá. Os objetos de consumo e fascinação mudaram ou evoluíram, por assim dizer. As relações de afeto, do dia a dia também cambiaram. Evoluíram tbm?! Não sei. Tenho a sensação que não. Profissionalmente falando, as informações ficaram mais fáceis, ágeis, práticas. As mesmas se empobreceram, é verdade. Ficamos acostumados com notícia fácil, rala, sem muito embasamento. Essa é uma discussão complicada e muito recente, talvez uma questão que a minha geração vai debater muito em bar, faculdade, palestras e afins.

A questão é tanta que pensando nisso, o jovem argentino, Gustavo Taretto, dirigiu seu primeiro filme tratando o tema com um caso especial, que poderia acontecer em qualquer cidade grande, no caso da película, Buenos Aires. Extensão do curta-metragem homônimo escrito e dirigido por ele em 2005, Medianeras é uma singela meditação sobre a alienação urbana nas grandes cidades e o impacto da tecnologia nas relações humanas a partir dos desencontros de dois solitários destinados a ficar juntos, mas que, por obra do acaso (ou falta de sincronicidade do destino), nunca se encontram.

Em busca de amor, um pouco de compreensão e a tão idealizada “cara metade”, os dois representam uma geração acostumada a passar mais tempo na frente do computador do que com pessoas reais. Esse distanciamento do real, promovido pela ausência do contato humano, por mensagens de texto abreviadas e promessas virtuais, representa um dos grandes paradoxos da tecnologia na contemporaneidade. Ao mesmo tempo em que abre inúmeras possibilidades, conectando pessoas do mundo inteiro, o ser humano está cada vez mais on line e imerso em sua própria individualidade. É por uma conexão verdadeiramente humana com o outro que os protagonistas de Medianeras tanto anseiam.