Vermelho. Quando penso nessa cor a primeira coisa, além de sangue, que vem na minha cabeça é o meu boletim escolar. Confesso que nunca fui um aluno exemplar. Sempre fui seletivo na arte de estudar. Humanas era um tiro só: notas boas (azuis). Conseguia sugar as informações apenas nas aulas. Na véspera da prova dava aquela enrolada com o livro e pronto. Só nota boa. Agora mermão, quando o lance era cálculo, papo de teorema pra cá, Baskara (maldito) pra lá... era castigo decretado.
Meus pais já esperavam a tragédia. Assim como o japonês espera o próximo terremoto. Os coitados sofriam junto. Tinham que adiar as férias na Paraíba, com os parentes, só para me ajudar a passar. Meu pai (anjo sagrado) sabe do que estou falando. Sentava pacientemente comigo para tentar passar alguma lógica naqueles malditos números.
“Igor, a circunferência tem 360°. A soma dos catetos é igual o dobro da hipotenusa. Os romanos criaram o que conhecemos de números primários”, dizia o senhor Sr. Cavaco, o patriarca.
Enquanto isso, lá estava eu viajando na parte dos romanos, lutando contra o herói Asterix. Isso sim era maneiro!
Muitas vezes chorei em vão, pedindo para o meu pai para “peloamordedeus” me tirar da escola. Pai, obrigado por não me ouvir, beleza?!
Semana passada comecei a ler um livro excelente, uma boa indicação de uma amiga que me disse as seguintes palavras:
“Achei esse livro lá em casa e lembrei na hora de você. O filho do autor é a sua cara, fisicamente”.
Fiquei curioso na hora. Aliás, o nome do autor é David Gilmour. Na hora pensei se tratar do guitarrista do Pink Floyd, do qual sou admirador da obra musical. Mas logo a amiga tratou de colocar panos frios. Não, não era ele. Mas me explicou se tratar de um bom escritor/jornalista canadense. Moral da história: levei o livro para casa e, de fato, o filho dele (Jesse) realmente tem muita semelhança comigo. Não fisicamente, realmente não acho. Mas ele tem esse lance em comum comigo de não ter se adaptado à escola. Era um aluno ruim, cobra (só passava se arrastando), igualzinho a mim. No caso da obra, David Gilmour acaba percebendo isso e tem uma sacada, que considero sábia, porém muito ousada. Ele propõe ao filho dispensa da escola (sim, DISPENSADO da escola, você não leu errado) se assistisse junto ao pai três filmes por semana (não é muito!) e não se envolvesse com drogas (pedido mais que justo!). O garoto concorda (quem não concordaria?) e eles começam o “Clube do Filme”, que durou três anos. Sim, durante três anos, a única educação que Jesse, o filho, recebeu foram os filmes, e as conversas com o pai sobre os filmes. Mais nada. Loucura? Irresponsabilidade? Não.
O grande segredo por trás disso tudo está em apenas uma palavra: tempo. E de qualidade. David, passava por uma situação complicada. Tinha 50 anos, estava desempregado, tinha tempo de sobra. Mas antes do Clube do Filme, ele não usava esse tempo de forma útil com o filho. Foi assistindo os filmes juntos, e conversando depois sobre as melhores cenas, os diretores, e até mesmo as atrizes mais bonitas, foi que os dois ganharam intimidade um com o outro. E intimidade requer confiança mútua, que só se ganha com o tempo, não na quantidade de tempo, mas sim na qualidade dele.
Gilmour deu ao filho algo escasso hoje em dia, e talvez o que precisemos mais: tempo (novamente ele). Penso que talvez seja por isso que temos tantos e tantos adolescentes rebeldes sem causa, deprimidos, criminosos por hobby, mal-educados no sentido literal da palavra. Não lhes deram tempo. Tempo com os pais, com os tios, com os professores. Tempo de qualidade, de conversa jogada fora, de conselhos sem caráter de urgência, de papos sobre assuntos que vierem à cabeça. Os pais estão tão preocupados em dar educação, que se esquecem que a educação é dada vinte e quatro horas por dia, através das nossas ações, das nossas palavras, dos sentimentos que despertamos em nossos filhos, do tempo que passamos junto a eles, e do tempo que estamos ausentes. Clichê isso, mas Salvador Dali, Cazuza e outros por aí tinham razão.
Um comentário:
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